A primeira coisa a ser considerada é a âncora em si. Qual o melhor modelo, peso correto ou até a quantidade ideal para cada situação?
A variável mais importante, sem dúvida alguma, é escolher um ferro de peso adequado. Uma regra empírica muito vaga é usar um ferro que pese 1,5 kg por metro de comprimento de casco, se a sua embarcação estiver no extremo mais pesado do espectro. Se o suporte do ferro, os cunhos e o guincho aguentarem, não há desvantagens consideráveis em usar um ferro maior do que o recomendado. Uma das características dos guinchos elétricos é a sua carga máxima, normalmente três vezes a carga nominal, que vem a ser o peso do conjunto ferro/corrente/cabo, uma vez que esteja solto do fundo. A boa prática recomenda que é o motor do barco, e não o guincho, que deve ser usado para movimentá-lo em direção ao local onde o ferro está preso ao fundo. Em um caso de um sistema contendo 100 m de corrente de 10 mm, e que pese 180 kg, aumentar o peso do ferro em 2,5 kg adiciona menos de 2% na carga de trabalho do sistema, pouco afetando as tolerâncias de projeto. No entanto, esses 2,5 kg podem fazer grande diferença na área da superfície de trabalho da âncora.
O debate prossegue, quando se chega no ponto de decidir qual o melhor modelo para cada caso. Ele não só passa por preferências pessoais, como é ladeado por todo tipo de consideração, inclusive as financeiras. E, como os diferentes modelos se adaptam melhor a diferentes fundos, para a escolha mais adequada é importante conhecer com antecedência o tipo mais comum nas áreas de cruzeiro em que o barco vá fundear.
As principais características a serem consideradas são: robustez de materiais e construção, força de retenção em barro, areia e pedras, suscetibilidade a enroscar e/ou travamento de articulações, e a compatibilidade com as ferragens do convés.
Os estilos predominantes, quanto ao formato são: com pás (categoria que inclui os modelos da Almirantado, Danforth e Fortress), arado (incluindo CQR, Rocna e Delta) e garra (Bruce). âncoras do tipo cogumelo e garateias são de uso muito restrito e não serão consideradas nesse artigo.
Quando for escolher uma âncora, procure comparativos realizados por publicações sérias e escolha a que melhor se adapte aos fundos em que pretende usá-la.
A bordo de meu veleiro de 36 pés, e que pesa 9 toneladas, carrego três ferros diferentes: uma Rocna 55, de 25 kg, o que pode parecer um exagero, mas foi muito útil nos fundeadouros nas ilhas Aleutas, com profundidades médias em torno de 30 metros, em que o uso de pequenas relações profundidade/comprimento de amarra eram consequência de uma desafortunada necessidade; como backup, uso uma CQR de 20 kg, que é bastante conveniente para ser manuseada e guardada, além de poder ser convenientemente presa à principal, em um arranjo para tempestades (veja a figura 1b); e, além disso, uso essa âncora para reposicionar o barco, sem o risco de furar o inflável durante essa operação. Além dessas duas, tenho uma âncora de almirantado desmontável, que raramente sente o gosto da água salgada e que é de utilidade questionável em fundos macios, pois a área das pás é bastante reduzida. Além disso, a amarra se enrosca nela com facilidade, em caso de mudanças de maré. Mas em alguns fundeadouros com fundo de cascalho e pedras, tais como o notório porto de Pago Pago, na Samoa Americana, é o único tipo de ferro que garante um bom fundeio. Um conselho, porém: esse tipo de âncora é bastante complicada para ser içada e deve sempre ser lançada com cabo e boia de arinque.
Corrente e ferragens
As ferragens que conectam a corrente à âncora, apesar de vitais, são frequentemente negligenciadas. Tanto a manilha quanto o destorcedor devem ser escolhidos de fornecedores renomados e confiáveis. Use a manilha com o maior pino que ainda passe pelo elo da corrente, para minimizar o desgaste e a possibilidade de cisalhamento. Também é aconselhável travar o pino com arame específico para esse fim, ou então usar uma trava química, como por exemplo o trava roscas da Loctite ? pessoalmente, prefiro esse método, mas que nem sempre está à mão. Como segurança adicional, bato uma punção no centro do pino. Quando for atarraxar a manilha, escolha o lado menos obstruído do suporte da âncora, para localizar a cabeça do pino. Em âncoras modernas, com furos ovais ao invés de redondos, o destorcedor pode travar se a força for aplicada antes do pino alcançar a extremidade do furo (veja figura 3a). Há inúmeros casos de destorcedores de fabricantes renomados que partiram ao meio por esse motivo. Na minha âncora Rocna, resolvi esse problema prensando um passador de bronze na extremidade anterior do furo oval, o que impede o destorcedor de ser tensionado no ângulo errado.
A discussão a respeito da amarra, se de corrente, mista ou apenas cabo é muito mais relativo ao tamanho, tipo de barco e equipamento de içamento do que de segurança. Durante uma circunavegação de treze anos, usei um sistema de cabo de náilon trançado com 20 m de corrente sem nenhum problema. Na época, não tinha guincho a bordo, mas quando passei de um barco de seis toneladas para um de nove e de uma idade de um par de décadas para muitas, acabei instalando um guincho elétrico de 1.200 W. Com esse arranjo, não há absolutamente nenhum motivo para não passar para uma amarra 100% de corrente, com as vantagens advindas do efeito caténário e a maior resistência à abrasão. Exagerar na espessura da corrente nem sempre traz benefícios.
A maior espessura traz consigo maior peso e maior volume que, às vezes, não têm como ser armazenados ou significam se contentar com uma amarra mais curta. Se o cálculo correto para seu caso requerer corrente de 5/16?, substituí-la por uma de 3/8? teoricamente aumenta o efeito catenário, mas, em caso extremo, isso acaba não acontecendo, pois nesse caso a corrente fica totalmente esticada, e o que vale é o escopo da profundidade/ comprimento da amarra. Um cabo de amortecimento de náilon torcido bem resistente, com comprimento entre 6 e 10 m, é a solução para os dias de vento forte. Como ele tem a capacidade de esticar cerca de 20% acima de seu comprimento máximo, amortece as forças de arrebatamento que incidem diretamente sobre a âncora.